Castelo Branco e os seus instrumentos

Viola beiroa, Manuel Moreira
Instrumentos Musicais Populares da Lousa
Genebres

No País, o instrumento aparece apenas na freguesia de Lousa, concelho de Castelo Branco. É um atributo peculiar da “Dança dos Homens”,  conhecida também por “Dança da Genebres”. Ela tem, nessa dança, um carácter cerimonial, sendo usada apenas nessa ocasião, até porque pertence à comissão de festas e passa anualmente dos velhos festeiros para os novos.

Às genebres os antigos da Lousa chamam, por terem também ouvido chamar, «naves ou geneves». Consta de catorze pauzinhos de pau-ferro, redondos, de tamanhos diferentes, enfiados, nas extremidades, em uma correia de couro. Crescendo em extensão, do primeiro ao último, por forma regular e progressiva, o maior deve ter de comprimento, pouco mais ou menos, o dobro do primeiro.

Genebres, Joaquim Brilhantino

Genebres, Joaquim Brilhantino

É uma espécie de moderno xilofone e o homem que a leva comanda as marcações da dança e representa o elemento libertino que nela figura. Trá-la pendurada ao pescoço (os paus mais curtos para cima) pela correia de couro que liga os paus e que aí faz aselha; afasta-a do corpo com a mão esquerda, que segura a correia em baixo, e bate a bagueta (chuço) com a direita não em cada pau individualmente, mas correndo todos os paus ao mesmo tempo, de baixo para cima e vice-versa, produzindo sons mais ou menos arrastados, mais ou menos vivos, consoante a vontade do tangedor e o compasso que a dança requer.

Fonte: Dora Lourenço (2000)

Viola beiroa, ou bandurra

Este cordofone pertence à família das violas de arame tradicionais portuguesas. Também é chamada bandurra ou viola de Castelo Branco, sendo originária da região da Beira Baixa. Esta viola é, provavelmente, o parente popular do instrumento de corte chamado vihuela, muito tocado na Península Ibérica nos séculos XVII e XVIII.

Uma das diferenças em relação às suas congéneres do Norte, Sul e Ilhas de Portugal são duas cordas muito agudas, as requintas, que não podem ser pisadas sendo tocadas só com a mão direita. O instrumento foi desaparecendo da cena musical campestre, sendo substituído por outros, nomeadamente a guitarra clássica e o acordeão.

A primeira afinação conhecida da viola Beiroa é ré, si, sol, ré, lá, ré, que não permitia fazer melodias acompanhadas, sendo usada na Lousa desde o século XVII para acompanhar a “Dança das Virgens” e a “Dança dos Homens”. A sua forma de execução era semelhante à da guitarra portuguesa na mão direita, tal como o Manuel Moreira a tocava na Lousa. Não sendo conhecidos construtores deste instrumento, pensa-se que os tocadores compravam estes instrumentos nas romarias da Senhora da Póvoa e da Senhora do Almortão.

Viola beiroa, Manuel Moreira

Viola beiroa, Manuel Moreira

A afinação atual da viola beiroa, definida por Alísio Saraiva, tem como base a da guitarra portuguesa de Lisboa. As primeiras quatro ordens da viola beiroa estão exatamente uma quinta abaixo da guitarra portuguesa de Lisboa, sendo que a quinta ordem é uma segunda maior acima e as requintas são a mesma nota que a sexta ordem da guitarra, mas numa oitava diferente. Percebe-se aqui que os tocadores definem as afinações segundo os seus conhecimentos de outros instrumentos.

Fonte: Susana Vicente da Silva Dias (licenciada e mestre em Música /Guitarra Clássica)

A Associação Recreativa e Cultural Viola Beiroa

A criação da Associação Recreativa e Cultural Viola Beiroa, em 2013, foi essencial para a recuperação, revitalização e divulgação deste instrumento. Na sede, cedida pela Câmara Municipal de Castelo Branco, na Rua Tenente Valadim, em pleno Centro Histórico da cidade, decorrem várias atividades semanais.

Desde logo a sede acolhe a sala de ensaios da Orquestra Viola Beiroa, que conta com 15 elementos: o mais jovem tem 15 anos e o menos jovem 80 anos. As solicitações para concertos deste agrupamento têm vindo de todo o País e permitem divulgar este instrumento e o repertório da música de tradição oral da Beira Baixa.

Esta sede é também escola onde se aprende a tocar a Viola Beiroa. Os alunos integram depois a Orquestra Viola Beiroa.

A realização de cursos de construção de viola beiroa permitiu aos elementos da Orquestra Viola Beiroa fazerem os seus próprios instrumentos. Além destas pessoas, houve outras que depois de participarem no curso decidiram integrar a Orquestra. A sede acolhe, igualmente, a Oficina que, devidamente apetrechada de ferramentas e materiais, permite que o Mestre Eduardo Loio ministre estes cursos.

A atividade de investigação que tem sido feita pelos elementos desta Associação já originou uma tese de mestrado sobre esta temática, apresentada pela Mestre Susana Dias, onde se projeta a integração do ensino da viola beiroa nos conservatórios e escolas de música.

Foi elaborado também um método de ensino deste instrumento, concebido pelo Professor Doutor Miguel Carvalhinho com edição da Fundação INATEL e a conceção gráfica da Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco.

Paralelamente, foi gravado o CD Viola Beiroa com edição de autor, no qual o Professor Doutor Miguel Carvalhinho apresenta uma série de arranjos de músicas tradicionais da Beira Baixa e um tema original de sua autoria. Este CD teve o apoio da Câmara Municipal de Castelo Branco e teve divulgação nacional através da Antena 1.

Durante um Encontro de Violas de Arame na cidade estiveram presentes vários instrumentistas: Fernando Deghi com a Viola Caipira do Brasil, Pedro Mestre com a Viola Campaniça, Guilherme Órfão com a Viola de Arame da Madeira, Daniel Cristo com a Viola Braguesa e João Vila com a Viola Toeira.

Destaque, ainda, para o papel do etnomusicólogo Domingos Morais, responsável pela explicação sobre a origem desta família de instrumentos.

Nos anos 60, aquando da 1ª edição do livro “Instrumentos Musicais Populares Portugueses”, o autor Ernesto Veiga de Oliveira, referia-se a esta viola como muito rara e em vias de total extinção. Felizmente o cenário mudou e, embora não seja muito comum encontrar tocadores desta viola, ela está viva e a ser explorada não só para folclore mas também por quem procura novas sonoridades.

A loja Porto Guitarra tem à venda violas beiroas com diferentes configurações de construção, sendo as mais usuais:

Tampo: em tília, pinho (abeto)
Ilhargas e costas: nogueira
Braço: mogno
Escala: panga panga, pau santo, ébano
Mecanismo de afinação: carrilhão

Tampo: em tília, pinho (abeto)
Ilhargas e costas: mogno, cerejeira, plátano, pau santo
Braço: choupo, mogno, cedro
Escala: panga panga, pau santo, ébano
Mecanismo de afinação: cravelhas de madeira, carrilhão

Viola Beiroa

No distrito de Castelo Branco existe um interessante instrumento, de grande importância organológica e etnológica, a viola beiroa, ou bandurra. Trata-se de uma viola popular portuguesa de cinco ordens de cordas de arame, hoje muito rara. Era sobretudo usada na zona arraiana para acompanhar descantes festivos, aos domingos, nas tabernas e, sobretudo, nos parabéns e serenatas aos noivos, nas vésperas e na noite da boda. Quase desapareceu e apenas pode ser encontrada em ocasiões cerimoniais, destacando-se a sua aplicação na dança dos homens, nas festas de maio, em honra da Senhora dos Altos Céus, na Lousa. Aqui, aparece figurando a par com a genebres.

A bandurra tem o braço semelhante ao das violas ocidentais, com 80 cm de comprimento. A boca é redonda e pequena, com cerca de 6 cm de diâmetro, rodeada de frisos circulares lineares. De todas as violas portuguesas, esta é ao mesmo tempo a mais rústica e a que apresenta maior profusão de motivos ornamentais. As cravelhas, em muitos casos, foram feitas por pastores e são por vezes finamente recortadas. O cravelhal mostra dez cravelhas dorsais que correspondem a outras tantas cordas, num encordamento de cinco ordens de cordas duplas de arames.

Esta viola possui um traço peculiar que a distingue de todas as outras violas portuguesas: além desse cravelhal normal, existe um outro, situado no fundo do braço, no ângulo que este faz com a caixa, para duas cravelhas, também dorsais, a que correspondem duas cordas igualmente de arame, simples, agudas e curtas – as requintas – , que não são trilhadas e se tocam sempre soltas, como na harpa.

A “Viola Beirã”, como é conhecida, é utilizada pelas mãos de homens lousenses que a tratam com um certo cuidado e aplicam nela uma estimação tal como se fosse uma “pedra preciosa”. Na realidade até se pode considerar uma, pois estas violas já têm mais de 400 anos, segundo testemunho confirmado por um tocador das mesmas, que afirma: “Estas violas são utilizadas na Dança dos Homens e têm passado de mão em mão, desde 1640, creio eu, quando começou esta dança. Apenas uma conseguimos conservar agora connosco, algumas desapareceram e uma delas está na Gulbenkian exposta”.

Tocada apenas com o esforço das unhas dos homens, a “Viola Beirã”, é feita de madeira de casquinha e trabalhada à mão, aplicando nela alguns motivos que lhe fornecem uma certa alegria para além daquela que ela própria consegue colocar junto do nosso ouvido, através das dez cordas que possui.

Na Dança dos Homens, dão-se por contadas cinco violas que dão alegria à dança. Como apenas só foi possível conservar uma, as restantes já foram feitas à cerca de 30 anos ou mais, afirma o tocador, havendo ao todo seis, as quais tentam ser, o quanto possível, idênticas às que têm sido passadas de geração em geração. Segundo reza a história, são os descendentes que têm feito com que estas ainda sejam tocadas como à 400 anos. Também a musica que foi passada de geração em geração, se conserva intacta, e, segundo o tocador, nunca sofreu nem sofrerá alterações. Não é tocada por acordes, mas é ensinada aos descendentes, que pelo ouvido aprendem. E tudo isto se conserva desde o inicio do século XVII, desde que os homens se decidiram dedicar às Danças em honra da sua padroeira, Nossa Senhora dos Altos Céus.

Dora Lourenço, 2000 (com ligeiras adaptações)