Nisa e os seus músicos
Músicos do Concelho de Nisa
Projeto em desenvolvimento, o Musorbis aproxima os munícipes e os cidadãos do património musical e dos músicos do Concelho.
João Augusto da Piedade Cebola
João Augusto da Piedade Cebola, falecido a 17 de Agosto de 1996, teve uma vida dedicada à música, como executante da banda, nos agrupamentos de Jazz-Band ou contribuindo, com o seu virtuosismo musical no acompanhamento do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa, fundado em 1964, próximo do largo onde morava. Tocou clarinete, banjo, violino e acordeão. Feito o exame da 4ª classe, João Augusto passou a aprendiz de sapateiro na loja do pai, Dionísio da Piedade Cebola.
Ouvidos os acordes tangidos pela viola-banjo do pai (que até na oficina não se fazia rogado em tocar para amigos e fregueses), é natural que este ambiente de música tivesse despertado, no jovem João Augusto, uma vocação musical. Assim, ei-lo a solfejar por uma brochura editada em 1909 e a ingressar na Banda de Nisa, após a aprendizagem de clarinete.
Simultaneamente, aprendeu a tocar banjo e comprou um violino que viria a ser o seu talismã. Em 1935, surgiu a oportunidade de fundar com o pai, o irmão José Dinis, o Carlos Pação, o Joaquim Bicho e o José Macedo, o primeiro troupe-jazz de Nisa com o nome “Os Fixes” e com hino próprio. Estavam encontrados dois amores – Banda e Jazz – que perduraram em toda a vida. A sua ligação ao Jazz foi mais arreigada pelo facto de ser seu coordenador. Correspondia-se com as casas musicais de Custódio Cardoso Pereira, Sassetti e Valentim de Carvalho, em Lisboa, e Casa Medina, em Coimbra, onde adquiria os textos musicais dos compositores da época.
O reportório do Jazz era o de música ligeira: corridinho, fox-trote, marcha, pasodoble, rumba, samba, swing e valsa. Raro era o dia, sobretudo à hora do almoço, que não dispusesse de algum tempo para ensaiar. A essa mesma hora, quem passasse à Rua Direita, igualmente ouvia o saxofone-soprano de Luís (Félix), o barítono de Abílio Porto, o saxofone-tenor de José Esteves, a viola-banjo de Dionísio Cebola, o contrabaixo de Manuel Filipe, o acordeão de Joaquim Bicho e a trompete de José Amaro. Tal o viveiro de músicos que residiam na Rua Direita. Nisa teve no Jazz “Os Fixes” um peculiar embaixador, num sem número de terras de que ouvia falar: aldeias do concelho de Vila Velha de Ródão (Alvaiade, Foz do Cobrão, Gavião, Perdigão e Vilas Ruivas), Castelo Branco (Assembleia, Cebolais de Cima e Maxiais), Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), Atalaia (Gavião), Envendos e S. José das Matas (Mação), Portalegre (Banco de Portugal) e Cano (Sousel).
Em Nisa, são lembrados o abrilhantar de bailes no Benfica, Clube e Sociedade, nos salões da Senhora Viscondessa, na Quinta no Termo de Arez, o colaborar nas representações teatrais e récitas escolares no Cine-Teatro e na inauguração do Café Restauração (rés-do-chão da Casa Carmona, no Largo da Porta da Vila, n.º 23).
Nos anos quarenta, durante meses, o Jazz abrilhantou o Teatro Desmontável da Companhia Rafael de Oliveira, instalado junto à Fonte do Rossio, onde pontificavam as famílias de Eunice Munhoz e do Tony de Matos. Os jornais “Brados do Alentejo” de Estremoz e “Correio de Nisa” referenciavam notícias sobre “ Os Fixes”. Para João Cebola, a música era uma devoção e só uma doença o poderia afastar tanto da Banda como do Jazz. Na Banda Municipal, em Nisa, atuou em cerimónias públicas e religiosas, em arraiais e romarias, em concertos no Coreto e no Cine-Teatro, em homenagens, no descerramento da lápide a Nossa Senhora da Conceição, na frontaria dos Paços do Concelho e na inauguração do busto ao Dr. Francisco da Graça Miguéns, no Jardim. Fora de Nisa, atuou em Amieira do Tejo, Arez, Montalvão, Monte Claro, Pé da Serra, Alcobaça, Coimbra e Valência de Alcântara. Manhãzinha cedo, tocava-se a alvorada e depois da celebração da missa, seguia-se a procissão. De tarde, o arraial continuava até às tantas da noite. Madrugada alta, os músicos palmilhavam o regresso a Nisa onde, na Fonte Frade, dessedentados, respiravam o raiar da aurora e, ao bater das oito horas na Torre do Relógio, retomavam o serviço nas oficinas.
Com os bailes da Carnaval, João Cebola ganhava para comprar um porco que, em janeiro seguinte, era o fumeiro da casa, após festiva matança ao som da viola do seu pai. Ainda nos anos quarenta, para dinamizar o Jazz, meu pai compra e aprende a tocar acordeão de teclas. Nesta modalidade, esperava-o a participação nos casamentos e nas sortes. Nos casamentos, servido um frugal copo d’água, o noivo deixava a noiva na casa da festa e saía ladeado dos padrinhos e seguido dos acompanhantes. Então o acordeonista abrilhantava o grupo que percorria as ruas de Nisa visitando os lugares de bebidas, sobretudo aqueles cujos donos tivessem dado “serviço” e seguia-se até ao quintal da festa. Só que o contrato com o tocador ainda não terminara. Havia o baile do segundo dia do casamento.
Quanto às sortes, formava-se um cortejo na Praça do Município. Os mancebos, alguns com pandeiretas, ostentavam uma fita no chapéu ou na lapela do casaco, indicativa do resultado da inspeção militar – encarnada (apurado) e branca (livre). Com o acordeonista a atacar a primeira marcha, o grupo percorria as principais ruas de Nisa, cantando e bebendo nos lugares do costume. Em data posterior, realizava-se o baile das sortes ao som do acordeão.
Com a idade, o gosto pela música jamais se desvaneceu em João Cebola. A comprová-lo está a chamada ao Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa. Por gentileza de ex-elementos do Rancho, foi-me dito que meu pai foi um dos fundadores do Rancho e a casa de meu avô na rua Direita n.º 12 (uma divisão do rés-do-chão, outrora a sede do Jazz) foi o primeiro palco de encenação do Rancho, sob a direcção do ensaiador Rodrigues Correia, com os músicos António Charrinho (acordeão), Florindo Bugalho (saxofone), João Augusto (violino) e José Macedo (clarinete). Com o Rancho, atuou vezes sem conta em Nisa e teve digressões, entre outras, por Lisboa, à Casa do Alentejo e ao Pavilhão dos Desportos, por Évora, ao II Cortejo “O Trajo no Mundo e no Tempo”, por Alvega (Abrantes), Arronches, Cabeção (Mora), Castanheira de Pera, Instituto de Vila Fernando e Santa Eulália (Elvas), Vale do Arco (Ponte de Sor) e Alegrete e Besteiros de Cima (Portalegre). O espólio musical foi oferecido por Dionísio Cebola à Sociedade Musical Nisense.
Fonte: Dionísio Cebola in “Jornal de Nisa”