Portalegre e os seus músicos
Músicos naturais do Concelho de Portalegre
Projeto em desenvolvimento, o Musorbis aproxima os munícipes e os cidadãos do património musical e dos músicos do Concelho.
- Carlos Almeida (regente)
- João Ranita da Nazaré (musicólogo, 1936)
- Lucília do Carmo (fadista, 1919-1998)
Lucília do Carmo
João Ranita da Nazaré
Carlos Almeida
Carlos Almeida, maestro, nasceu em Portalegre, a 13 de junho de 1993. Por ser filho de um músico e conviver com a música todos os dias, desde muito cedo teve um grande interesse pela mesma. Começou a frequentar a escola de música do pai aos 5 anos e aos 11 anos entrou para o Conservatório de Portalegre para iniciar os estudos em Trompete, onde concluiu o 5º Grau.
Com 15 anos realizou provas de trompete para a EPABI (Escola Profissional de Artes da Covilhã), entrando para o 10º ano, para a classe de Rui Borba. De seguida ingressou na ESART (Escola Superior de Artes Aplicadas) em Castelo Branco onde frequentou durante dois anos a classe de trompete. Aí começou a interessar-se também pela composição sendo que, atualmente, conta já com várias obras da sua autoria de vários géneros musicais.
Sentiu a necessidade de alargar o seu caminho na música focando-se no mundo da direção de orquestra. Em 2015, iniciou os estudos na Atlantic Coast International Conductig Academy onde estudou Direção Musical de Orquestra de Sopros e Sinfónica com os maestros Luís Clemente e Colin Metters, Aulas de Orquestração e Análise com Roberto Fiore e José Jordán assim como Formação Auditiva Paulo Maciel e Jaime Branco e Direção Coral com Jaime Branco.
Participou em estágios de Orquestra Nacional de Sopros em Portel como maestro ativo onde dirigiu várias obras e em 2017 foi convidado para ser maestro do Coro e Orquestra da Universidade da Beira Interior. Nesse ano, assumiu também o cargo de maestro titular na Banda da Covilhã. Ao longo de todo o seu percurso como trompetista e maestro, participou em diversas classes de aperfeiçoamento de Trompete e Direção de Orquestra, estágios de Orquestra Sinfónica e Estágios de Orquestra de Sopros, tocou em várias orquestras de sopros, ligeiras e bandas filarmónicas. Em 2018, assumiu a direção artística da Banda da Sociedade Musical Euterpe de Portalegre e do seu projeto educativo.
João Ranita da Nazaré
João Mateus Ranita da Nazaré (Portalegre, 1936) é Professor Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa. Pianista, clavicordista, musicólogo e sociólogo, João Ranita da Nazaré foi o primeiro académico português doutorado em musicologia pela Universidade de Paris-Sorbonne (1971).
Onze anos mais tarde, João R. Nazaré foi o primeiro, senão o único universitário a obter em França, no campo da sociologia da música – um campo de estudos então inexistente nas universidades francesas – o diploma de maior prestígio e exigência académica, o «doctorat d’ État», na Universidade de Paris–Nanterre (1982), dada a sua extinção dois anos depois.
Teve como orientadores desta última tese, os professores Henri Mendras (sociólogo e professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris) e Olivier Revault d’Allonnes, filósofo e esteta da Universidade de Paris-Panthéon, os quais avalizaram com o peso da sua reconhecida competência, um novo quadro epistemológico, interdisciplinar, adentro do vasto leque das Ciências Sociais: o da etnossociologia da música.
Do ponto de vista artístico, João Ranita da Nazaré teve o ensejo de contribuir para a redescoberta pelo público parisiense do clavicórdio – um instrumento antigo que caíra no esquecimento – graças a concertos e gravações efetuados com obras de compositores dos séculos XVII e XVIII.
Em Portugal, um outro aspeto a considerar, não menos relevante, foi o de ter sido indigitado para organizar as atividades curriculares do primeiro Departamento de Musicologia do país, aquando da sua institucionalização em 1974 na Universidade Nova de Lisboa.
João Ranita da Nazaré foi aluno de Santiago Kastner, Jorge Peixinho e Louis Saguer.
Artisticamente, contribuiu para a redescoberta pelo público parisiense do clavicórdio –um instrumento antigo que caíra no esquecimento– graças a concertos e gravações efectuados com obras de compositores dos séculos XVII e XVIII.
Em Portugal, foi indigitado para organizar as atividades curriculares do primeiro Departamento de Musicologia do país, aquando da sua institucionalização em 1974 na Universidade Nova de Lisboa. João Ranita da Nazaré começou a lecionar em 1974, tendo-se reformado em 2006.
“Creio interessante referir, desde já, o vaticínio do muito estimável anuário O Borda d’Água para todos os que partilharam comigo o mesmo ano de nascimento, e que assim o predisse:
“Começa bem o ano de 1936: à quarta-feira, que é dia de bom augúrio, e sob o império do planeta Mercúrio, que, sendo 16 vezes menor que a Terra, é vivo como o azougue que lhe corre nas veias… A sua influência benéfica vai estender-se sobre todos os mortais, auxiliando-os e protegendo-os… Bom ano ainda para os que nele nascerem – serão de agudo engenho, hábeis, diligentes e sábios… 1936 será um ano farto, alegre, bem-disposto… Ninguém dele terá queixas, mas, se algumas houver: natura super omnia”.
Não será então pertinente duvidar de que o arguto vaticínio do popular anuário lisboeta se não cumpriu no começo do serão daquele dia de Primavera, porquanto se o sossego tradicional da vida colectiva da pequena e pacata cidade do Alentejo [Portalegre] não chegou efectivamente a ser perturbado, em contrapartida, o ensaio da sua Banda de Música, a dita “Banda Popular”, da qual o meu pai era o regente e que momentaneamente o quebrava, esse, segundo consta, terá de súbito e alegremente acabado!
Ao que parece, um vizinho amigo terá acorrido às instalações da instituição musical dando a almejada notícia de que o rapaz tinha nascido – e que era bem um rapaz! –, pelo que o acontecimento valia bem uma longa e merecida pausa. E assim terá sucedido: remetidos os instrumentistas para o silêncio da urbe, o convite persuasivo foi de “todos para casa!”.
A partir desses primeiros instantes do despertar para a vida, dir-se-ia que o caminho do rapaz se encontrava de certa maneira predestinado e o percurso intelectual consubstanciado, como o de qualquer outra criatura humana, na frase recorrente de uso filosófico do “eu e as minhas circunstâncias”. Porque, decididamente, para o bem e para o mal, seria a música a inscrever-se na minha longa vivência intelectual, primeiramente envolvendo-me nos aspectos da actividade artística e, mais tarde, nas complicadas problemáticas da investigação científica.
No que concerne aos primeiros, os meandros da memória relembram que teria apenas oito anos de idade quando o meu pai, um ex-músico militar, decidiu começar a dispensar-me as primeiras lições de piano, ultrapassada a fase inicial de aprendizagem do solfejo. Para tal, a aquisição de um instrumento de estudo recaiu então sobre um piano vertical, francês, armado em madeira e, consequentemente, de qualidade medíocre, dados os parcos recursos do agregado familiar. De tal maneira que o instrumento era afinado pela manhã antes de o meu pai partir para o quartel, mas à tarde, no seu regresso, já se encontrava novamente desafinado. Um autêntico pesadelo!
Ainda assim, fortemente incentivado pelo lado paterno, depressa ultrapassei o nível dos exercícios elementares de mecanismo, bem como o dos estudos de velocidade adoptados na época (Carl Czerny e Muzio Clementi) e cheguei, finalmente, às inolvidáveis valsas de… Ludwig van Beethoven, que acabaram por estabelecer, durante vários anos, um antes e um depois no desenvolvimento da minha técnica pianística.
Assim sendo, comecei a ser convidado para participar em pequenos recitais, concursos e serões culturais que, uma vez por outra, surgiam nos centros urbanos de maior dimensão da região e proporcionavam a exibição da minha pequena destreza. E, independentemente da execução das obras de outros compositores, eram sobretudo algumas das 15 valsas do mestre que acabavam sempre por se impor para serem uma vez mais usufruídas, sobretudo os espécimes intitulados L’espoir, Le désir e La douleur (na edição da Sassetti revista por Campos Coelho).
Concluído o curso do liceu e em razão das limitações de estudar Música na província, a minha formação viria a prosseguir em Lisboa como trabalhador-estudante e passaria pela frequência, durante aproximadamente seis anos, de diversas áreas disciplinares do Conservatório Nacional.
Das valsas à sonata e da sonata ao concerto, durante longos anos detive o privilégio de usufruir do pensamento estético do mestre, bem como de atentar na problemática da sua cientificidade, o que só me seria todavia explicitado anos mais tarde, aquando dos meus longos e complexos estudos na Academia de Paris
Todavia, também a este respeito o muito sagaz vaticínio d’O Borda d’Água não deixaria de se cumprir, na medida em que a minha aceitação nesta instituição se concretizou através da inscrição no Curso de Clavicórdio e Interpretação de Música Antiga, um curso sui generis, mesmo a nível internacional, orientado pelo musicólogo, cravista e clavicordista de nacionalidade inglesa Macario Santiago Kastner.
Com efeito, graças a um acaso de relações pessoais, o conhecimento com este professor viria a dar-se nas instalações do próprio Conservatório Nacional, onde tive a oportunidade de lhe expor a minha pretensão em preparar o exame de ingresso no Curso Superior de Piano desta instituição.
Assim sendo, a fim de avaliar o nível da minha preparação e destreza técnicas, Santiago Kastner solicitou-me a execução de uma obra, ao que prontamente acedi com a interpretação da Sonata op. 13 de… Ludwig van Beethoven, obra conhecida como a Patética (ou “pateta”, recordando com um sorriso a resposta da velha senhora de uma cena de Os Maias) e com a qual, sob a sua orientação, viria a passar o citado exame, no final do ano lectivo.
Contudo, independentemente do meu envolvimento na técnica do clavicórdio e nos meandros da música antiga, Santiago Kastner sempre quis acompanhar de perto a minha evolução no respeitante à superação das dificuldades do Curso Superior de Piano. E dada a obrigatoriedade da execução de um “concerto para piano e orquestra” no exame final deste curso, foi com o seu aval que optei pelo Concerto para Piano n.º 1, op. 15, de… Ludwig van Beethoven.
Em suma: das valsas à sonata e da sonata ao concerto, durante longos anos detive o privilégio de usufruir do pensamento estético do mestre, bem como de atentar na problemática da sua cientificidade, o que só me seria todavia explicitado anos mais tarde, aquando dos meus longos e complexos estudos na Academia de Paris.”
João Ranita da Nazaré