Olhão e os seus músicos

Francisco Fernandes Lopes, musicógrafo, de Olhão
Músicos naturais do Concelho de Olhão

Projeto em desenvolvimento, o Musorbis aproxima os munícipes e os cidadãos do património musical e dos músicos do Concelho.

  • Francisco Fernandes Lopes (musicógrafo, 1884-1969)
  • Luís Pereira Leal (gestor cultural, 1936)
  • Maria do Carmo Torres (cantora, 1907-1950)

Francisco Fernandes Lopes

Francisco Fernandes Lopes, musicógrafo, de Olhão

Francisco Fernandes Lopes, musicógrafo, de Olhão

Luís Pereira Leal

Luís Pereira Leal, divulgador, de Olhão

Luís Pereira Leal, gestor cultural, de Olhão

Maria do Carmo Torres

Maria do Carmo Torres, cantora, de Olhão

Maria do Carmo Torres, cantora, de Olhão

Francisco Fernandes Lopes

Para o Fernandes Lopes, matemático algarvio do séc. XX, o qual tornou os números musicais como convém à Poesia. (Almada Negreiros, dedicatória, 1925)

Francisco Fernandes Lopes, musicógrafo, de Olhão

Francisco Fernandes Lopes, musicógrafo, de Olhão

Uma autêntica figura da Renascença desgarrada no nosso tempo. (Antero Nobre, A Voz de Olhão, 30-06-1972)

Sendo médico, notabilizou-se sobretudo como musicólogo, musicógrafo, historiador, filósofo, etnógrafo, inventor. Nasceu em Olhão, em 27 de outubro de 1884, onde permaneceu até 1965, vivendo os últimos anos em Lisboa, onde viria a falecer em 6 de junho de 1969, com 84 anos. Foi sempre um aluno brilhante em Olhão (Escola Primária) e em Faro (Curso Liceal Geral). Em 1901 mudou-se para Lisboa para continuar os seus estudos e conhece no Liceu da Regaleira alguns estudantes que o iriam marcar e tornar-se figuras importantes, como o futuro dramaturgo Ramada Curto que o levaria a assistir à primeira ópera. Além destes amigos, Francisco Fernandes Lopes tornou-se também conhecido e admirado por muitas outras figuras importantes do princípio do séc. XX português, como Ruy Coelho, Ivo Cruz, Almada Negreiros e Fernando Pessoa.

Licenciado com dezoito valores pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1911, doutorou-se em 1916 com dezanove valores, com a tese Drogas e Farmacopeia, mas recusa os convites para lecionar nesta Faculdade (logo em 1912) e regressou à sua Vila, provavelmente a contragosto e por dever de acompanhamento dos seus pais já idosos.

Ainda em Lisboa, por influência de Ramada Curto que o levaria a assistir à sua primeira ópera, interessou-se pela música e começou a compor e a notabilizar-se pelo seu conhecimento. Compôs o bailado Cristóvão Colombo, as óperas Belkiss em 1907-1908 (esta ópera, a partir de um poema em prosa de Eugénio de Castro, foi acabada por Ruy Coelho) e Balada de Fumo (publicada em 1913), assim como várias melodias para poemas de poetas nacionais, como Camões, Antero de Quental, António Sardinha, João de Deus, Cândido Guerreiro, Fernando Pessoa e João Lúcio, entre outros.

Em 1924-28, em Olhão, organizou o seu primeiro ciclo de “Serões Musicais”, no Grémio Olhanense, onde executou dezenas de palestras, ilustradas por excertos musicais executados por um grupo ensaiado por ele próprio.

Estes Serões Musicais adquiriram grande notoriedade nacional, tendo trazido à vila nomes importantes da música como Luís de Freitas Branco (diretor artístico do Teatro de Sáo Carlos), Ruy Coelho, Francine Benoit, e a musicóloga Ema Romero da Câmara Reis (esposa de Luís da Câmara Reis). Esta convidou Francisco Fernandes Lopes para repetir algumas das suas palestras em Lisboa (integrado num ciclo de conferências chamado Divulgação Musical) e publica-as na sua obra “Seis anos de divulgação musical” (Lisboa, 1929-1930). Foi no âmbito deste convite que Francisco Fernandes Lopes fez ouvir em Portugal, pela primeira vez, em 25 de Janeiro de 1932, o Pierrot Lunaire, de Schoenberg.

Francisco Fernandes Lopes escreve ainda sobre música em vários jornais regionais, nacionais e em revistas francesas da especialidade (entre 1924-27 publica vários artigos sobre música portuguesa na La Révue Musical, dirigida por seu amigo Henri Prunières).

Em 1929-30, continuou um segundo ciclo dos seus “Serões Musicais” em Olhão e é convidado a participar em novas conferências musicais em Lisboa (1934) e em programas radiofónicos na Emissora Nacional , onde ficou célebre uma sua palestra, pela polémica – “A evolução do Fado, da guitarra à sinfonia”(1935).

Estudou profundamente a música das Cantigas de Santa Maria da autoria de D. Afonso X de Castela, o rei sábio (primeiro rei cristão a intitular-se Rei dos Algarves). Os termos Santa Maria referem-se à Terra de Santa Maria, designação medieval da região de Faro. Estas cantigas tinham um problema de decifração e o Dr. Francisco Fernandes Lopes recebeu uma bolsa da Junta de Educação Nacional para as decifrar, tendo-se deslocado a Madrid, ao Escorial e a Sevilha. Em 1944, apresentou uma comunicação muito aplaudida sobre o assunto no Congresso Luso-Espanhol em Córdova e, em 1950, no II Congresso Regional Algarvio. Em 1985, já depois da sua morte, a Câmara Municipal de Olhão publicou este seu trabalho sob o título “A música das cantigas de Santa Maria e outros ensaios”.

Em 1937, presumivelmente a convite de Ivo Cruz, faz a primeira tradução para português da Ode à Alegria, de Shiller (no final da 9ª Sinfonia de Beethoven), muito apreciada pelos críticos da época. Luís de Freitas Branco no jornal “O Século” escreve:

Lamentamos que o tempo e o espaço nos não permitam fundamentar largamente a nossa admiração pelo trabalho do dr. Francisco Fernandes Lopes, que traduziu para português a Ode à Alegria de Shiller, que as vozes entoam no final. Não resistimos porém ao impulso de salientar o modo feliz como foi resolvido o difícil problema da entrada do coro sob as duas sílabas de Freude.

Francisco Fernandes Lopes também compôs a música de fundo para o Auto das Rosas de Santa Maria, escrito pelo poeta algarvio Cândido Guerreiro, que é executado em público pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional (maestro Pedro de Freitas Branco), em Sagres, no ano de 1940, no âmbito das Comemorações da Fundação da Nacionalidade.

No Algarve, sobretudo em Faro, foi professor em diversas escolas – Liceu Nacional João de Deus em Faro, a Escola Primária Superior de Faro (da qual foi diretor durante 7 anos, de 1919 a 1926, por convite de Leonardo Coimbra, depois de ter recusado um convite do mesmo Leonardo Coimbra para lente da Faculdade de Letras em Lisboa) e a Universidade Popular do Algarve – e de diversas disciplinas totalmente diferentes, desde as línguas – dominava o castelhano, francês, alemão, italiano e russo -, até à Matemática, História e Ciências Naturais, Geografia e Desenho.

Em 1940 – era ainda o Mestre bem vivo (faleceu só em 1969) -, a Câmara Municipal de Olhão, em sua homenagem, deu o seu nome à rua onde nasceu, pelo que ele, com humor, costumava dizer que não deixava de ter uma graça muito especial o ser capaz de viver com a sua pedra tumular sempre em frente dos olhos!

Nessa época, vinham a sua casa muitas figuras intelectuais estrangeiras para conhecer pessoalmente Francisco Fernandes Lopes e ele, servindo de cicerone, mostrava a sua terra, a vila cubista, a mais mourisca da Europa, como ele dizia, com as suas açoteias, mirantes e pangaios, que só existiam no norte de África e em Olhão. Aconselharia a leitura de um texto extremamente interessante de um destes estrangeiros – Jacob Job, Director da Rádio Zurich – que em viagem por Portugal conheceu o Mestre – clique aqui!

São exemplos de personalidades internacionais que se deslocaram a Olhão o Marechal Carl Gustaf Emil Mannerheim (herói das guerras fino-russas e Presidente da República da Finlândia), a Princesa de Lichtenstein, o Barão Boris von Skossyreff (auto-proclamado Rei de Andorra), o geógrafo Pierre Deffontaine, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1939), os escritores Georges Duhamel, Jean-Louis Vaudoyer, Emile Henriot, Daniel Rops e Simone de Beauvoir (em 1945, porque sua irmã Hélène de Beauvoir casou-se com Lionel de Roulet, enteado de Carlos Porfírio, e viveu em Faro de 1940 a 1942 em Faro), o arabista Evariste Lévy-Provençal, os pintores Mário Eloy, Fausto Sampaio e Eduardo Viana, o crítico musical austríaco Paul Stefan e o geógrafo Orlando Ribeiro. Mas também privou e trocou correspondência com um sem número de intelectuais estrangeiros que provavelmente nunca vieram a Olhão como Miguel Unamuno e Blas Infante (com quem colaborou na homenagem que se fez em Silves ao último rei muçulmano Al-Motamid, em 1928).

Publicações relacionadas com o tema Música:
  • Les Concerts Historiques du “Renascimento Musical”, in La Revue Musicale, Paris, 1924 (Novembre)
  • La vie musicale à Lisbonne, in La Revue Musicale, Paris, 1925 (Mai), e 1926 (Février)
  • Les deux derniéres saisons musicales, in La Revue Musicale, Paris, 1927 (Novembre)
  • Música Latina e Música Portuguesa, in De Música, Lisboa, 1930 (nº3)
  • Escalas Diatónicas, in De Música, Lisboa, 1931 (nº4)
  • Concerto Austríaco, in Divulgação Musical, Vol. II, Lisboa, 1934
  • A Época Moderna Portuguesa, Lisboa, 1934
  • Música de Câmara de Florent Schmitt, in Divulgação Musical, Vol. III, Lisboa, 1936
  • A Melodia Francesa Contemporânea: Migot, Durey, Ravel, in Divulgação Musical, Vol. IV, Lisboa, 1938
  • A Música nos Autos de Gil Vicente, in Divulgação Musical, Vol. V, Lisboa, 1940
  • Fado, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. X, Lisboa, 1944
  • A Música em Portugal, in Portugal – Breviário da Pátria para os Portugueses Ausentes, Lisboa, 1946
  • Novo sistema de nomenclatura e notação da escala musical dodecafónica e de cifragem de intervalos e acordes de toda a espécie, Olhão, 1952
  • A Música das Cantigas de Santa Maria e o Problema da sua Decifração, in Brotéria, Lisboa, 1945 (Janeiro)
  • A 183ª das Cantigas de Santa Maria do Rei Sábio, Faro, 1947
  • Uma cantiga de Santa Maria no cancioneiro Colocci-Brancuti, in Brotéria, Lisboa, 1948 (Junho)
  • As Cantigas de Santa Maria do Rei Afonso X, o Sábio, e a sua Música, Faro, 1952
  • A música das cantigas de Santa Maria e outros ensaios, Câmara Municipal de Olhão, 1985.
  • Um trecho de música grega antiga – in Primeiro de Janeiro, 24-01-1951
Obras musicais
  • Cristóvão Colombo (bailado)
  • Belkiss em 1907-1908 (esta ópera, a partir de um poema em prosa de Eugénio de Castro, foi acabada por Ruy Coelho);
  • Balada de Fumo (ópera, publicada em 1913);
  • Auto das Rosas de Santa Maria (escrito pelo poeta algarvio Cândido Guerreiro, no ano de 1940);
  • Seis composições para piano inspiradas em sonetos de D. Luís de Góngora e Argote;
  • Ó Madame (canto e piano, poesia de Jean Cocteau);
  • Chanson du sixième hiver (canto e piano, poesia de Aragon);
  • La mort de Marie (canto e piano, poesia de Pierre de Ronsard);
  • A saudade (canto e piano, poesia de Afonso Lopes Vieira);
  • Tarde (canto e piano, poesia de Fernanda de Castro);
  • Os teus olhos (poesia de João Lúcio);
  • Como acorda um bosque (canto e piano, poesia de Bernardo de Passos);
  • Embalando um coração (canto, coro e piano, poesia de Bernardo Passos).

Fonte: Olhão Cubista

Francisco Fernandes Lopes, homenageado em monumento, é o patrono de uma escola secundária junto da qual se encontra e do respetivo agrupamento (Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Fernandes Lopes). Na freguesia e cidade de Olhão (8700-470 Olhão, GPS: 37.024532, -7.839556, existe ainda em sua homenagem a Rua Doutor Francisco Fernandes Lopes.

Luís Pereira Leal

Luís Pereira Leal dedicou mais de 30 anos ao serviço da Música e da Fundação Gulbenkian.

Antologia de Polifonia Portuguesa, 1490-1680, de Manuel Morais, Luís Pereira Leal e Robert Louis Stevenson.