Almada e os seus músicos

Ercília Costa, fadista, de Almada
Músicos naturais do concelho de Almada

Projeto em desenvolvimento, o Musorbis tem como objetivo aproximar dos munícipes os músicos e o património musical.

Ercília Costa

Ercília Costa, fadista, de Almada

Ercília Costa, fadista, de Almada

Vasco Morgado

Vasco Morgado, promotor, de Almada

Vasco Morgado, promotor, de Almada

BANDAS ROCK

FOI NOTÍCIA

“Quando chegou a Portugal em 1963, vindo de Moçambique e Angola, Victor Gomes procurava uma banda de rock’n’roll para o acompanhar. Foi logo à Trafaria encontrar-se com os Gatos Negros, sobre os quais o músico e apresentador João Maria Tudela lhe tinha falado. Não foi à toa que um dos reis do rock português, um fenómeno que passou pela rádio, pelos palcos, tanto da música quanto da revista, e pelo cinema, rumou à Margem Sul do Tejo.

A cidade de Almada tem sido, ao longo dos anos, pródiga em bandas rock.

Em 2019 esteve patente no Museu da Cidade de Almada, na Cova da Piedade, Na Margem: Uma história do rock. Dividida em dois pisos e centrada em três períodos diferentes — de 1961 a 1977, de 1978 a 1989, e de 1990 a 2004 —, a exposição reunia artefactos de cinco décadas de rock ali nascido, dos tempos do Gatos Negros, dos bailes, das festas associativas e das influências dos Shadows, até ao hardcore, com psicadelismo e punk pelo meio.

A divisão acontece porque “são três períodos distintos, mesmo em contextos sociais, económicos e políticos”, explicou ao Público Ana Costa, coordenadora-geral da exposição, garantindo que se tratava de uma das mais visitadas deste museu inaugurado em 2003.

Puderam ver-se em Na Margem discos, sejam da música da terra ou de inspiração, revistas, posters, bilhetes, guitarras — muitas da marca italiana Eko ou réplicas, algumas artesanais —, roupa, maquetas, cadernos de poemas, bonecos, fotografias e até um documentário de uma hora com depoimentos de alguns notáveis da cena musical almadense.

A preparação da exposição começou em 2017. Ana Costa trabalhou em parceria com Ângela Luzia e Margarida Nunes neste projeto em que estiveram envolvidas ao todo 130 pessoas. Ela própria almadense, teve uma adolescência que passou pelo Ponto de Encontro, um lugar-chave da cena musical da cidade nos anos 1990. “O rock é um fenómeno muito associado a Almada. Noutras exposições que temos preparado, era recorrente haver referências a isso ou a algum músico que pertenceu a uma banda.” Como o Museu da Cidade traça a história da localidade, acharam “interessante tentar perceber onde é que isto começou em Almada” e explorar “a ideia que as pessoas de fora têm de uma certa especificidade suburbana, com um som mais escuro e pesado”.

Para preparar tudo, fizeram entrevistas propectivas sobre histórias que já conheciam, como a de Victor Gomes na Trafaria. “Os Gatos Negros foram a banda que, com o som que se fazia e que era muito consumido aqui, conseguiu fazer a passagem de banda de baile para um conjunto de rock’n’roll. Nos jornais da época, a primeira vez que é apresentada uma banda de rock’n’roll são eles.”

Feitas essas primeiras entrevistas, começam a procurar mais material na imprensa e nos “arquivos de colectividades, que é onde as bandas acabavam por se apresentar”, e a falar com pessoas para encontrarem testemunhos orais. “As próprias pessoas foram-nos dando folhetos, documentos, contratos com editoras”, disse. Fizeram 64 entrevistas a músicos de várias gerações, entre os quais Filipe Mendes, ou seja Phil Mendrix, que morreu recentemente. Também estão incluídos, entre outros, Tim, dos Xutos & Pontapés, Carlão, de Da Weasel, António Manuel Ribeiro, dos UHF, João Miguel Fonseca, de Bizarra Locomotiva, Thormentor, Plastica ou Mofo.

Em termos das fontes, afiançou, tentaram “ter um equilíbrio entre mulheres e homens e também entre gerações. A pessoa mais nova, Sara Cunha, dos SpeedCristal, tem 24 anos”. Esse tal equilíbrio de género começa a surgir mais, conta, “nos anos 1990”, dando o exemplo das Black Widows, banda de metal gótico feminina formada nessa década. Na exposição é mencionado o exemplo de Nela Ribeiro, dos Atlantes, que também cantou com os Falcões em algumas actuações e, até à década de 1980, era a única mulher proeminente na música da cidade.

A ideia era perceber as mudanças pelas quais o rock tinha passado ao longo dos anos. “A cultura juvenil mudou, hoje é tão diferente”, comenta a organizadora. Foram 507 as bandas de originais identificadas durante a pesquisa. Dessas 507, 277 foram formadas nos anos 1990. Hoje existem 100 em actividade, “a maior parte projectos efémeros e maioritariamente masculinos”, sintetizava uma das legendas da exposição.

No presente, em Almada, existem também mais locais para aprender música, facilidade de acesso a instrumentos, a espaços de ensaio e a estruturas técnicas. Ainda assim, resumia Ana Costa, “a expressão colectiva, territorializada e com mais impacto, é o hip-hop”. E isso daria facilmente outra exposição. Por enquanto, ainda não há planos formalizados para isso avançar, mas, garante, a equipa foi-se cruzando com muito material sobre o assunto.”

Fonte: Rodrigo Nogueira, Público,  27 de Fevereiro de 2019